O desenvolvimento desportivo na sociedade é um fator preponderante para o progresso do desporto em todas as suas vertentes. No entanto, aquele fator, está sujeito a um conjunto vasto de determinantes, uma delas e que merece a nossa atenção é a participação equitativa no desporto. Isto, leva-nos naturalmente a uma análise da participação feminina e masculina no desporto, tendo por base de comparação a constituição da população portuguesa e a comparação com outros setores da sociedade.
Dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram-nos as diferenças entre géneros na constituição da população portuguesa, nos últimos cinquenta anos, 52% de mulheres para 48% de homens. Curiosamente, no que diz respeito à frequência do ensino básico, secundário e superior, segundo os dados da PORDATA, estas percentagens sofrem alterações significativas de grau de ensino para grau de ensino. No ensino básico, verifica-se uma predominância masculina, de 52% homens para 48% de mulheres, enquanto no secundário e superior a predominância feminina aproxima-se das percentagens populacionais com 51% e 55% respetivamente no ensino secundário e no superior.
Apesar de uma predominância feminina nos graus de ensino em que verifica uma maior incidência de prática desportiva organizada a realidade não é a mesma.
Analisemos esta discrepância. No desporto federado, que assume uma parte significativa da prática desportiva nacional, o diferencial inverte-se e a participação desportiva é, consideravelmente, superior no sexo masculino comparativamente ao sexo feminino. Nos últimos 25 anos, a proporção é de quase 4 homens por 1 mulher, tendência que não tem vindo a evidenciar sinais de mudança. No desporto escolar a participação tem vindo a ser mais equilibrada entre géneros ao longo dos anos, rondando os 43% de participação feminina nos últimos 8 anos, reflexo de uma aposta na participação mista, podendo ser esta uma medida importante para a promoção na participação desportiva pré especialização. É essencial dar nota, de que o Desporto Escolar, é um sistema aberto a toda a comunidade escolar e, em vários casos a única forma de acesso de todos os jovens a uma prática desportiva organizada. Por esta razão é importante realçar o papel da escola pública de qualidade na promoção da educação física e do desporto(1) a crianças e jovens, incutindo hábitos para a vida e implementando medidas para ir ao encontro de uma igualdade de participação entre géneros.
Os restantes dados do setor do desporto, acentuam a discrepância entre géneros. Dados do Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ) apresentam valores de 86% de treinadores, 77% de árbitros e juízes e 86% de dirigentes homens, entre 2014 e 2018.
Seguramente que não é apenas um desafio da sociedade portuguesa. O problema da igualdade entre o Homem e a Mulher, é um tema que é recorrentemente abordado, na sociedade em geral e na Europa em particular. Trata-se, no entanto, de algo que tem raízes civilizacionais bem profundas pois, quando do nascimento, na Grécia Antiga, dos Jogos Olímpicos da Antiguidade, era vedada às mulheres o acesso não só a prática, como inclusivamente o assistir às competições. Quando Pierre de Coubertin “reinventou” em finais do século XIX os Jogos Olímpicos, as mulheres foram excluídas de participar o que se prolongou durante as primeiras edições no início do século XX.
Recentemente, tem havido uma preocupação do Comité Olímpico Internacional e das comissões organizadoras dos Jogos na equidade da participação. Nas últimas edições dos Jogos Olímpicos foi praticamente igualado o número de eventos femininos e masculinos o que se traduziu, respetivamente em 44,2% de participação feminina e 55,8%(2) masculina.
Portugal tem tentado acompanhar o crescimento do setor feminino e no que diz respeito à constituição das Delegações Portuguesas aos Jogos Olímpicos de Londres 2012, a delegação nacional atingiu incluiu o maior número de atletas femininas, atingindo, esta, os 38%.
Hoje em dia e num passado mais recente, o que se assiste é a uma tentativa de colocar este assunto na “ordem do dia”. Retrocedendo ao ano de 1981, onde há registo que o Concelho de Ministros Europeu com a tutela do desporto adotou uma resolução que previa uma maior participação das mulheres no desporto(3).
Desde esse período seguiram-se várias recomendações que procuravam a igualdade de género em todas as áreas de atuação desportiva, bem como a criação de grupos de trabalho ou comissões de mulheres em diversos países europeus, com o objetivo da promoção das mulheres no desporto(4). Mais tarde, o ano de 2010, fica marcado nesta matéria com o Comité de Ministros a ser chamado a reunir novamente para rever o “Código ético do Desporto” exigindo uma igual participação das mulheres e homens no desporto na vertente coletiva e individual, sem qualquer discriminação(5).
Urge analisar este paradigma, refletir e identificar medidas que se traduzam em políticas concretas para a inversão deste paradigma. Portugal deve caminhar para uma realidade desportiva mais equitativa e que vá de encontro aquelas que têm sido as recomendações emanadas ao nível Europeu.
1 Constituição da República Portuguesa, artigos 70º e 79º
2 https://stillmed.olympic.org/Documents/Reference_documents_Factsheets/Women_in_Olympic_Movement.pdf
3 http://www.coe.int/t/dg4/epas/resources/texts/Res(81)3_en.pdf
4 Sport and Women – Social issues in international perspective, Hartmann-Tews, I., Pfister, G., 2003
5 Recommendation CM/Rec (2010) of the Committee of Ministers to member states on the revised Code of Sports Ethics (Adopted by the Committee of Ministers on 16 June 2010 at the 1088th meeting of the Ministers’ Deputies)
Artigo de Opinião de Filipa Godinho, Diretora da CDP e Anabela Reis, Vice-Presidente da CDP